Os meninos do pijama listrado: os novos cenários de guerra e fome zs54
Uma reflexão sobre as condições insalubres que levam milhares de crianças pelo mundo a padecer com a fome e a desnutrição 2v675v

A saúde e a inocência das crianças estão se perdendo cada vez mais cedo; e, com elas, a esperança do nosso futuro.
Não é exagero. Me recordo aqui da história do filme O menino do pijama listrado, em que um oficial nazista, comandante de um campo de concentração, mora com sua família em uma bela casa ao lado de um local de extermínio.
O que ele não contava é que seu filho, com sua curiosidade natural, consegue chegar nos arames farpados que cercam os fornos e à câmara de gás e faz amizade com outro menino do outro lado dos muros, um prisioneiro. No seu entendimento, era alguém como ele. Criança gosta de criança.
Da janela do quarto, ele via fumaça saindo das chaminés dos fornos e sentia um cheiro estranho no ar.
Corto para os dias de hoje, fora das telas. Vejo imagens das chaminés dos restaurantes israelenses de um lado da fronteira da faixa de Gaza. Fumaça que, do outro lado, é sentida por crianças palestinas. Soa cruel. Elas têm fome.
Volto ao filme e à loucura do Holocausto, muito bem difundida pelo povo judeu. A guerra também afetou diversos outros povos: morreram milhões de russos, ciganos, deficientes físicos, homossexuais. Nem sempre com filmes a respeito.
Prisões, confinamentos em áreas insalubres, morte em câmaras de gás e trabalhos forçados, sem falar na crueldade da fome, outra chaga letal. Inevitavelmente, as crianças, que são mais frágeis física e mentalmente, eram as que mais sofriam.
Falamos muito sobre a obesidade e suas consequências, mas não podemos nos calar em relação à fome. O cenário das guerras de hoje assemelha-se muito aos campos de concentração do ado e milhões de crianças morrem ou sofrem com a fome em zonas de guerra, campos de refugiados e favelas. E, muitas vezes, isso fica invisível a nós.
A fome hoje é responsável por 8 milhões de mortes por ano. Países da África, Ásia, Oriente Médio e América Latina ainda sofrem com essa tragédia, alimentada por guerras entre militares e fações, bem como pela desigualdade social.
A falta de nutrição adequada em crianças está diretamente relacionada ao prejuízo no desenvolvimento físico, motor, intelectual, cognitivo, problemas de memória e raciocínio, atrasos no crescimento, imunidade, doenças, além de morte. Hoje, dados da ONU indicam que cerca de 700 milhões de pessoas am fome – mas essa população não tem dinheiro para produzir filmes, nem mesmo para se manifestar.
Seja na Faixa de Gaza, seja numa comunidade pobre brasileira, as condições são completamente insalubres: mínima oferta de alimentos, falta de água e assistência médica. A repressão, ao contrário do cenário de Segunda Guerra, já não é feita por nazistas, mas soldados do tráfico, invasores, terroristas.
Em Bangladesh, Líbano, Quênia e Sudão, para ficar em outros exemplos, existem nesse exato momento milhões de pessoas sob essas condições, em desertos quentes como fornos ou em frios extremos como a morte. As condições estruturais ainda são piores, pois lá nem barracões existem. Em Gaza, nem comida e remédio chegam – só bombas.
É estranho imaginar que muitas dessas atrocidades são cometidas por povos que, em um ado não tão distante, sofreram o mesmo cruel destino. O que me remete de novo ao filme.
Na trama, o menino, filho do comandante, acaba por curiosidade colocando o pijama listrado típico dos prisioneiros dos campos e entra com seu amigo judeu para conhecer o local. E, assim como milhares de pessoas, acaba sendo levado para a câmara de gás e seu pai, o todo poderoso comandante, não chega a tempo de salvá-lo.
Acho que os nossos governantes nem estão tentando salvar a situação. Parece que estamos todos de pijama e dormindo. Acordem! As crianças estão ficando sem gás e com fome.