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De olho nos tributos

Por Adolpho Bergamini Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO
Dados e análises sobre os impostos e seu efeito na economia

Mais um assalto ao bolso do contribuinte

As recentes podem ter sido mais um episódio de uma velha novela: rombos orçamentários são sempre cobertos com tributos, jamais com redução de despesas

Por Adolpho Bergamini
13 jun 2025, 16h32

O noticiário econômico das últimas semanas foi tomado pelo aumento repentino do Imposto sobre Operações Financeiras. Com o Decreto n. 12.466/2025, o governo, sem qualquer aviso, majorou o imposto na canetada para tentar ajustar as contas públicas. As reações foram imediatas. Em pouco tempo, já havia no Congresso dezenas de projetos de decretos legislativos para anular a medida. Os presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado, deputado Hugo Motta e senador Davi Alcolumbre, respectivamente, não mediram palavras para deixar claro à equipe econômica que a majoração não aria.

Atacado por todos os lados, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, no dia 8 de junho, em pleno domingo, se reuniu com Motta, Alcolumbre, ministros e líderes partidários de ambas as Casas Legislativas para falar do imbróglio. Ao final do encontro, ficou acordado que o governo manterá o IOF sobre apenas algumas operações, como o chamado “risco sacado”, com redução de 80%, e nas compras internacionais realizadas com cartões de crédito. Segundo notícias, houve acordo quanto ao aumento da tributação de outros investimentos antes isentos, como Letras de Crédito Imobiliário e Letras de Crédito do Agronegócio, que arão a ser oneradas em 5%, e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido de instituições financeiras chamadas de fintechs será aumentada dos atuais 9% para 15% a 20%. Plataformas de apostas esportivas terão o gravame elevado de 12% para 18% e os gastos tributários (isenções e incentivos) terão redução linear de 10%, além de outros ajustes ainda não detalhados.

Hugo Motta e Davi Alcolumbre, que antes vociferavam pelo corte nas despesas públicas, teriam dado sinal verde aos aumentos propostos e, para isso, ouviram de Haddad que o governo pretende resgatar alguns projetos de redução das despesas primárias. Ou seja, deram aval à edição de Medida Provisória (MP) para aumentar tributos e, na troca, tiveram apenas a promessa de que o governo irá reduzir gastos.

Da parte do governo, o cumprimento do acordo veio no dia 11 de junho com a MP n. 1.303/2025. Foram trazidos à tributação os rendimentos auferidos com as já anunciadas LCI e LCA, e outros papéis que também eram isentos. Para investimentos financeiros em geral, a tabela progressiva de 22,5% a 15% deu lugar à alíquota padrão de 17,5%. Em todos os casos, os encargos sobre investimentos, que antes eram definitivos na fonte, am a ser considerados antecipações do imposto de renda devidos pela pessoa física ou jurídica, que deverão ser computados no ajuste anual.

No mais, a MP n. 1.303/2025 também incorpora o que o ministro da Fazenda já havia anunciado em entrevistas, mas também define o que não estava muito claro, como a majoração do imposto sobre os Juros sobre o Capital Próprio de 15% para 20%.

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Em contrapartida, as notícias de 12 de junho informam que o presidente da Câmara dos Deputados, deputado Hugo Motta, dará celeridade à aprovação de decreto legislativo para derrubar o aumento do IOF.

Arrisco dizer que Fernando Haddad é o maior vencedor desse embate. Arrisco dizer também que o ministro da Fazenda é leitor de A arte da guerra, de Sun Tzu, que em 13 capítulos oferece vislumbres a respeito de táticas militares milenares. Duas delas estão no capítulo 6, onde Sun Tzu diz “quando cercar o inimigo, deixe uma saída para ele; caso contrário, ele lutará até a morte” e, na guerra, “pareça fraco quando estiver forte”. Segundo penso, Haddad estava forte. Vamos ver.

No ado, o governo demonstrou força junto ao Judiciário quando contestou a prorrogação da desoneração da folha de pagamento para determinados segmentos econômicos. Para lembrarmos, em dezembro de 2022 o Congresso aprovou a dita prorrogação, mas o Executivo a vetou. Então, para fazer valer seu posicionamento, o Legislativo derrubou o veto. A União acionou o STF, que suspendeu liminarmente a derrubada até que Executivo e Legislativo chegassem a um acordo. O resultado é conhecido, as partes chegaram a um entendimento e a oneração da folha está sendo retomada paulatinamente. 

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Se a disputa em torno do IOF chegasse ao STF, provavelmente o governo também ganharia. O IOF é um imposto extrafiscal, o que quer dizer que sua função é a de regular mercados e fazer frente a certas circunstâncias econômicas prementes, emergenciais. Muito por isso, a majoração de suas alíquotas não obedece ao princípio da legalidade, porque sua majoração pode ser feita por mero decreto, nem ao princípio da anterioridade, o que permite ao fisco cobrar o imposto no mesmo exercício financeiro em que tenha sido publicado o decreto de aumento.

Dados os contornos do IOF, e uma vez que o Decreto n. 12.466/2025 não foi acompanhado de nenhuma justificativa econômica urgente que devesse ser sanada, eventuais debates no STF estariam centrados na possibilidade de o IOF ser também um imposto meramente arrecadatório.

Se o STF manifestado em outros precedentes fossem mantidos, provavelmente a Corte diria que sim, que o IOF pode ser arrecadatório. Em um dos casos, o litígio veio com questionamentos do Decreto n. 10.797/2021, que majorou o IOF apenas para compensar perdas fiscais naquele ano. Não havia nenhuma justificativa extrafiscal, a única finalidade era cobrir as contas públicas. O STF manteve o imposto e, na oportunidade, entendeu que “é certo que eventual prevalência de finalidade extrafiscal adotada por um tributo não impede sua função arrecadatória, em maior ou menor grau”. Outros tantos precedentes são dos anos 2000, nos quais a Corte Suprema validou a função arrecadatória do IOF e deu como lícita a sua majoração para compensar as perdas arrecadatórias incorridas pela extinção da antiga MF.

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Provavelmente a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional e a Receita Federal municiaram Fernando Haddad com essas informações. Somando-as com sua experiência pessoal no caso da desoneração da folha de pagamento, o ministro chegou forte à reunião de 8 de junho. Não seria impossível imaginar que, em algum momento do encontro, a equipe econômica tenha mencionado a possibilidade de acionar o STF para validar o novo IOF, com boas chances de êxito.

Todavia, para que ninguém naquela sala fosse considerado parte vencida no noticiário, a proposta de recalibrar o imposto de renda foi uma grande sacada. Hugo Motta e Davi Alcolumbre impediram o aumento do IOF e posaram como vitoriosos nos jornais, inclusive pela anunciada aceleração dos trâmites legislativos para derrubá-lo. Por outro lado, o governo teve sucesso em seus esforços de cobrir o rombo dos cofres públicos com incremento da tributação, não com a redução clara de despesas.

Haddad, que parecia fraco, estava forte e ofereceu uma saída honrosa a todos que estavam ali. Mas pode ser que haja outra hipótese. Pode ser que não tenha sido nada disso, talvez Fernando Haddad nunca tenha lido Sun Tzu e não saiba absolutamente nada sobre estratégias e conflitos. Talvez não houvesse plano algum e tudo tenha sido conversado no atropelo, no supetão. Pode ser que tenha sido mais um episódio de uma velha novela que temos no Brasil: rombos orçamentários são sempre cobertos com tributos, jamais com redução de despesas. Mais um assalto ao bolso do contribuinte que se resume com um antigo ditado: “deixa tudo como está para ver como é que fica”.

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