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Blog de notícias exclusivas e opinião nas áreas de política, direitos humanos e meio ambiente. Jornalista desde 2000, Matheus Leitão é vencedor de prêmios como Esso e Vladimir Herzog

Congresso abre a porteira da boiada em pleno Lula 3 3d1q1w

Em artigo enviado à coluna, a jornalista Mariana Belmont detalha como o parlamento escancarou o descaso com o meio ambiente nos últimos dias 2h5t1

Por Mariana Belmont 1 jun 2025, 12h28



O Brasil registrou, em 2024, o maior número de pessoas desabrigadas e desalojadas por desastres climáticos desde o início da série histórica, em 1991. Segundo dados do Atlas Digital de Desastres no Brasil, produzido pelo Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional (MIDR), 1,13 milhão de brasileiros foram forçados a deixar suas casas em razão de eventos extremos como chuvas intensas, estiagens e secas. O levantamento escancara a vulnerabilidade do Brasil com a intensificação da crise climática. Além do número recorde de atingidos, o total de mortes também cresceu. Foram 306 óbitos registrados em 2024, um aumento de 58% em relação a 2023, quando houve 193 mortes.

Ainda assim, o Senado aprovou em festa fúnebre o Projeto de Lei 2.159/2021, chamado pela sociedade civil de “PL da Devastação”, por 54 votos favoráveis e 13 votos contrários. Essa proposta é uma das mais prejudiciais ao meio ambiente em tramitação no Congresso Nacional, provavelmente a mais danosa delas. Aprovado na Câmara dos Deputados sob liderança da bancada ruralista e forte influência do lobby de grandes indústrias, o texto apelidado de “mãe de todas as boiadas” implode as regras do licenciamento para os mais diversos tipos de empreendimentos em todo o país. No Senado, os pareceres assinados por Tereza Cristina (PP-MS) e Confúcio Moura (MDB-RO) falharam em promover qualquer avanço significativo em relação à versão aprovada pela Câmara. Pelo contrário, trouxeram pioras no texto da Câmara, que já era uma catástrofe em termos de retrocesso nas regras que disciplinam o licenciamento ambiental e a avaliação de impactos ambientais, as duas principais ferramentas de prevenção de danos socioambientais da Política Nacional do Meio Ambiente.

O atual debate sobre o novo modelo de licenciamento ambiental no Brasil escancara uma série de fragilidades institucionais e políticas que colocam em risco a proteção do meio ambiente e também dos direitos sociais no país. Um dos principais pontos de crítica refere-se à chamada “licença por adesão e compromisso”, que na prática se resume a um autolicenciamento. Nela, o empreendedor apenas preenche uma série de opções em um formulário digital, marcando caixas como em um contrato de plano de saúde, e, ao final do processo, emite uma autodeclaração que gera automaticamente o status do licenciamento e sua liberação. Essa modalidade de licenciamento, que dispensa a apresentação de qualquer estudo ambiental pelo empreendedor e a análise de alternativas técnicas e locacionais, será aplicada à grande maioria dos empreendimentos, uma irresponsabilidade histórica que na prática gerará total descontrole ambiental.

Em nota o Observatório do Clima tem alertado a gravidade do projeto “Na forma atual, o projeto não apenas ameaça intensificar a poluição, o desmatamento, as emissões de gases de efeito estufa e a perda de biodiversidade, mas também as desigualdades sociais. Está repleto de inconstitucionalidades, promovendo a fragmentação normativa entre estados e municípios e criando um cenário de insegurança jurídica que tende a gerar, como um dos seus principais efeitos, uma enxurrada de judicializações. Em vez de estabelecer regras claras, juridicamente coesas e efetivas, como se espera de uma Lei Geral, o projeto abre caminho para o caos regulatório e o aumento da degradação ambiental.”

Esse sistema, criado para empreendimentos de pequeno e médio porte — supostamente com baixo ou médio potencial poluidor — baseia-se em um critério extremamente frágil de avaliação. A definição do grau de impacto ambiental é descentralizada: cabe aos estados determinar o que é considerado alto, médio ou baixo impacto. Com isso, abre-se margem para interpretações divergentes entre as unidades federativas. Uma obra classificada como de alto impacto em um estado pode ser considerada de baixo impacto em outro, gerando uma competição antiambiental entre os próprios entes federativos. A mesma preocupação também se aplica à classificação quanto ao risco ambiental.

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Além disso, há uma isenção generalizada para projetos agropecuários, com exceção apenas da pecuária intensiva de médio e grande porte. Empreendimentos como grandes plantações de cana-de-açúcar ou processos altamente industrializados am agora a depender exclusivamente da regulação estadual e até mesmo de decisões caso a caso da autoridade licenciadora dos governos subnacionais. O regramento federal simplesmente desaparece, deixando essas atividades sem qualquer conformidade nacional mínima, bastando que o imóvel rural tenha registro no Cadastro Ambiental Rural, ainda que não validado.

Outra mudança preocupante é a restrição à atuação de órgãos como Fundação Nacional dos Povos Indígenas – FUNAI, Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Iphan e Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – ICMBio  nos processos de licenciamento. Com a nova proposta, a manifestação sobre os direitos indígenas e quilombolas será aplicada apenas respectivamente a terras homologadas e territórios titulados, o que afronta claramente a Constituição Federal e institucionaliza o racismo ambiental. Além disso, as análises desse conjunto de autoridades não serão obrigatoriamente incorporadas às decisões da autoridade licenciadora. Isso enfraquece a proteção de territórios sensíveis e do patrimônio cultural, transformando recomendações técnicas em meras sugestões que podem ser ignoradas.

A nova proposta elimina a análise de impactos indiretos em muitos empreendimentos. Um exemplo clássico é o de da Usina Hidrelétrica Belo Monte. A construção da usina provocou um inchaço populacional na região, o que gerou uma demanda ampliada por serviços públicos como postos de saúde e escolas. Esses são impactos indiretos — não ocorrem diretamente na área da obra, mas decorrem dela.

No modelo atual, é possível exigir que o licenciador inclua, nas condicionantes para a obtenção da licença, medidas como a construção de creches, unidades de saúde e outros equipamentos públicos. Com a nova proposta, isso não poderá ocorrer. Um dos artigos do texto proíbe que o empreendedor seja responsabilizado pela implementação de serviços públicos ou políticas públicas. Esse tipo de impacto continuará existindo, mas será assumido pelo Estado, que terá que arcar com os custos adicionais gerados pelos empreendimentos — uma suplementação orçamentária com recursos públicos para mitigar danos que antes deveriam ser responsabilidade das empresas.

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Adicionalmente, há a chamada “emenda Alcolumbre”, que propõe um regime especial de licenciamento para obras definidas por critério político. Embora pouco claro, o texto da emenda sugere a criação de um “fast track” — uma via expressa para aprovação — e um regime próprio de análise, com critérios ainda indefinidos. Na prática, cria-se um licenciamento por conveniência política, o que representa grave risco institucional e ambiental.

No campo político, observa-se uma postura permissiva por parte do governo federal. Durante a tramitação no Senado, não houve esforço de obstrução ou defesa efetiva por parte do Executivo. O resultado é que, mesmo com ampla mobilização da sociedade civil, o Palácio do Planalto não demonstrou qualquer resistência.

O que houve foi uma nota técnica divulgada pelo Ministério do Meio Ambiente, afirmando que o PL 2.159 “representa desestruturação significativa do regramento existente sobre o tema e representa risco à segurança ambiental e social no país”. Houve também declarações duras da Ministra Marina Silva contra o projeto — o que, nos últimos dias, a tornou alvo de ataques machistas, racistas e misóginos no Senado Federal, com narrativas falhas sobre desenvolvimento e manifestações violentas, revelando o negacionismo escancarado e planejado na agenda política.

Agora, o texto está na Câmara dos Deputados esperando para ser votado. Neste estágio, não é possível fazer alterações substanciais no conteúdo. A Câmara poderá apenas decidir entre manter o texto original ou aprovar a versão do Senado. Posteriormente, o texto segue para sanção presidencial, e há expectativa de que o presidente Lula vete trechos específicos, não a proposta toda. No entanto, já se comenta que os vetos poderão ser derrubados em nova votação no Congresso. Em última instância, restará a judicialização no Supremo Tribunal Federal.

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Ao invés de construir uma frente coesa em torno da agenda ambiental, o Brasil pode chegar à COP30 fragmentado, com disputas internas e desconfiança generalizada entre governo, sociedade civil e comunidades impactadas. Ao invés de cobrar ações de outros países, a sociedade brasileira estará voltada para os conflitos domésticos, sem confiança nem entusiasmo para exercer pressão internacional. Isso compromete a legitimidade do país como anfitrião da próxima Conferência e enfraquece sua capacidade de liderar o debate climático global. Deve ser registrado, inclusive, que na futura Lei Geral do Licenciamento não há menção alguma a clima, consolidando negacionismo com relação ao tema em plena crise climática.

Os senadores aprovaram uma lei com a motosserra nas mãos, abrindo a porteira da desgraça e da política do deixar morrer. É sintomático e muito desalentador que a mobilização da sociedade civil tenha conseguido segurar a aprovação do PL da Devastação durante o governo Bolsonaro, com Ricardo Salles ando a boiada, mas que ele seja aprovado agora no governo Lula 3.

 

* Mariana Belmont, jornalista, pesquisadora, Assessora de Clima e Racismo Ambiental de Geledés – Instituto da Mulher Negra e organizadora do livro “Racismo Ambiental e Emergências Climáticas no Brasil” (Oralituras, 2023)

 

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