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Crédito sem pressa: Fuga dos juros altos impulsiona o recorde nos consórcios

Modalidade é alternativa para adquirir bens fora do sistema de financiamento tradicional, e registra alta nas vendas e no número de clientes

Por Ana Paula Ribeiro
30 Maio 2025, 06h00

Funcionária de uma empresa de cosméticos, Ana Paula Benetti, de 36 anos, e o marido, Diego Muras, procuravam uma alternativa para aliviar o peso do financiamento do imóvel em que vivem. Depois de avaliar diferentes opções, decidiram apostar no consórcio como uma estratégia para organizar melhor o orçamento e reduzir os custos com juros. A escolha deu resultado: poucos meses após entrarem no grupo, conseguiram fazer um lance vencedor e foram contemplados com a carta de crédito, utilizada para quitar a dívida anterior. Com isso, não apenas economizaram uma quantia significativa em juros, como também substituíram um financiamento que se estenderia por 22 anos por um plano de pagamento que será encerrado em menos de oito.

Concessionária de veículos em São Paulo: a fuga dos juros altos tem atraído cada vez mais consumidores
Concessionária de veículos em São Paulo: a fuga dos juros altos tem atraído cada vez mais consumidores (Dado Galdieri/Bloomberg/Getty Images)

O casal Ana e Diego faz parte de um número crescente de brasileiros que, diante dos juros elevados e das dificuldades de o ao crédito tradicional, redescobriram uma alternativa já conhecida do mercado: o consórcio. Com parcelas mais íveis e sem cobrança de juros, o modelo vem ganhando espaço entre quem busca dar os primeiros os na formação de patrimônio ou ampliação do que já possui. O consórcio, de fato, tem atraído um número crescente de brasileiros dispostos a abrir mão do financiamento tradicional em favor de uma relação mais planejada com o próprio dinheiro.

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Mesmo sem ser novidade, as adesões ao produto vêm batendo recorde. No primeiro trimestre do ano, 1,2 milhão de cotas desse produto foram comercializadas, um aumento de 26% na comparação com igual período de 2024. Com isso, o Brasil totaliza 11,4 milhões de consorciados ativos, o maior número já registrado, segundo dados da Associação Brasileira de as de Consórcios (Abac). Em volume de negócios, a expansão, de 36%, foi ainda maior no primeiro trimestre, totalizando valor superior a 105 bilhões de reais em negócios movimentados no período. “É um crescimento consistente, que reflete uma mudança de comportamento do consumidor, cada mais atento aos temas ligados às finanças pessoais”, diz Paulo Roberto Rossi, presidente-executivo da Abac. “Ele está substituindo a compra por impulso.”

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Na prática, o consórcio funciona como uma forma de compra coletiva planejada. Um grupo de pessoas se reúne com o objetivo comum de adquirir um bem — um carro, um imóvel, uma bicicleta, serviços e até mesmo placas solares para residências — e realiza pagamentos mensais ao longo de um prazo estabelecido. A cada mês, por meio de sorteios e lances, alguns participantes são contemplados com uma carta de crédito, que permite a aquisição do bem desejado. Segundo as regras do Banco Central, todo grupo de consórcio deve realizar, no mínimo, duas contemplações por mês: uma por sorteio e outra pelo maior lance ofertado. Em grupos com maior volume de recursos, as as podem ampliar essas possibilidades. Antes de adquirir uma cota, ressalve-se, é fundamental que o consumidor verifique se a a é autorizada pelo Banco Central e analise as condições do grupo, como o histórico de lances, número de participantes ativos e frequência de contemplações. É importante lembrar que não há garantia de contemplação imediata — o consórcio, portanto, exige planejamento e paciência.

Ciclofaixa congestionada: agora, é possível comprar bicicletas com a ajuda dessa modalidade de crédito
Ciclofaixa congestionada: agora, é possível comprar bicicletas com a ajuda dessa modalidade de crédito (Márcio Pannunzio/Fotoarena/.)

Um dos principais atrativos do consórcio é a ausência de juros, o que o torna uma alternativa mais econômica em comparação com o financiamento tradicional. Em vez de juros, os participantes pagam uma taxa de istração, que remunera a empresa responsável pela gestão do grupo. Essa taxa incide sobre o valor total da carta de crédito e costuma ser diluída ao longo do contrato. Em média, varia entre 15% e 25%, dependendo do tipo de bem, do prazo e das condições da a. Os prazos de pagamento podem se estender por até vinte anos, permitindo parcelas mais íveis.

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Além da taxa de istração, as gestoras podem cobrar um valor adicional, chamado de fundo de reserva. Essa quantia é destinada a cobrir eventuais despesas imprevistas do grupo, como inadimplência de consorciados, custos operacionais extras ou até mesmo perdas financeiras. Embora não seja obrigatória, a cobrança do fundo de reserva é comum e deve constar claramente no contrato. Por isso, antes de aderir a um consórcio, é fundamental que o consumidor conheça todos os encargos envolvidos e avalie o custo efetivo total da operação.

Uma simulação feita pelo banco Santander ilustra como o consórcio pode ser uma alternativa mais econômica em relação ao financiamento tradicional. No caso de uma carta de crédito de 100 000 reais para a aquisição de veículos, a taxa de istração é de 14,4%, diluída ao longo de 84 meses. Isso representa uma taxa anual de 2,1%, muito abaixo da média de 28,6% ao ano praticada em financiamentos de veículos, segundo dados do Banco Central. Além disso, há uma cobrança de 3,5% a título de fundo de reserva. Com esses encargos, a parcela mensal fica em torno de 1 400 reais por cliente. As condições variam de acordo com o tipo de consórcio. Para imóveis, a taxa de istração é de 25% para um prazo de 240 meses (vinte anos), o que corresponde a uma taxa mensal de 1,3%. Com o adicional do fundo de reserva, fixado em 2%, a parcela mensal estimada é de 529 reais. Segundo Marcelo Aleixo, diretor de consórcios do Santander, a maior conscientização do público sobre o funcionamento da modalidade tem impulsionado as vendas. “O consórcio é uma compra programada”, diz. “Pode ser usado por todas as faixas de renda e em diferentes setores como ferramenta de construção de patrimônio. Quando a Selic está mais alta, torna-se ainda mais vantajoso.”

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Placas solares em residências: o mercado permite inovações como a compra de energia limpa
Placas solares em residências: o mercado permite inovações como a compra de energia limpa (iStock/Getty Images)

Apesar de ser uma modalidade consolidada no mercado, o setor de consórcios tem buscado inovações para atrair novos públicos e sustentar seu ritmo de crescimento. O Santander lançou, em parceria com a fintech Núclea, a plataforma N-Cotas, voltada para o mercado secundário. Tradicionalmente, quem desistia de uma cota só conseguia reaver os valores pagos ao fim do grupo. Com a N-Cotas, essas cotas podem ser negociadas com fundos de investimento, que oferecem pagamento à vista, ainda que com algum deságio. As inovações são uma tendência. A Âncora Consórcios criou uma oferta inusitada: um consórcio de ouro. Desenvolvido em parceria com a corretora Ouro Minas, o produto oferece aos clientes uma alternativa de investimento atrelada à valorização do metal. Ao ser contemplado, o consorciado recebe o valor correspondente em ouro, que permanece sob custódia até a quitação integral da cota.

Paulo Rossi, presidente da Abac: “O avanço do consórcio reflete uma mudança de comportamento”
Paulo Rossi, presidente da Abac: “O avanço do consórcio reflete uma mudança de comportamento” (Linkedin @paulo-roberto-rossi/.)
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Líder do mercado brasileiro de consórcio imobiliário, o Porto Bank decidiu ampliar seu portfólio com uma opção voltada para a compra de imóveis nos Estados Unidos. A novidade é destinada a clientes que já possuem um imóvel quitado no Brasil, de valor compatível com a carta de crédito desejada — o bem serve como garantia da operação. Todo o trâmite de pagamento ao vendedor internacional é realizado pela própria instituição. “É uma alternativa para quem busca um patrimônio no exterior ou um imóvel voltado à locação para férias”, diz Carlos Gondim, diretor de negócios do Porto Bank. “O consórcio se torna uma solução economicamente atrativa quando as opções tradicionais de crédito ficam mais caras ou restritas.”

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Para Renato Barreto, diretor-presidente da BB Consórcios, esse dinamismo tem sido um dos principais motores do crescimento do setor. A instituição encerrou o primeiro trimestre do ano com 142 bilhões de reais em crédito na modalidade, o que representa um avanço de 13% em relação aos doze meses anteriores. A expectativa é fechar 2025 com expansão de 18%. “O cliente até poderia poupar mês a mês para atingir seu objetivo, mas o consórcio o ajuda a se organizar com mais disciplina e, além disso, oferece a chance de antecipar a conquista por meio da contemplação, sem precisar esperar cinco ou seis anos para juntar o valor necessário”, afirma Barreto. Embora a maioria dos consorciados ainda seja formada por pessoas físicas, ele observa um crescimento expressivo da participação de empresas e produtores rurais, que têm usado o consórcio como ferramenta para renovar equipamentos, adquirir imóveis e expandir o patrimônio com planejamento e previsibilidade. Cada vez mais, o consórcio se firma como caminho viável para construir um patrimônio.

Publicado em VEJA, maio de 2025, edição VEJA Negócios nº 14

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