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Margem Equatorial expõe contradições do Brasil entre petróleo e o discurso verde

A exploração na Foz do Amazonas, um dos maiores potenciais petrolíferos do mundo, enfrenta imes ambientais, disputas políticas e incertezas regulatórias

Por Marco Damiani
30 Maio 2025, 06h00

Na Margem Equatorial brasileira, uma larga porção da costa norte, onde um dia poderá ocorrer a maior operação de petróleo em alto-mar da história do país, oportunidade, risco e crise se misturam num enredo tortuoso que perdura há dez anos. Um capítulo decisivo está marcado para 17 de junho, quando as grandes petrolíferas do mundo apresentarão seus lances no leilão organizado pela Agência Nacional do Petróleo (ANP). Irá a martelo o direito à exploração dos primeiros dezessete blocos na Foz do Amazonas. Às vésperas do certame, não se sabia se ele ocorreria com ou sem licença ambiental do Ibama. Em 19 de maio, o órgão de fiscalização aprovou o plano da Petrobras de proteção ambiental na região, mas com a ressalva de que “não configura a concessão de licença para o início da realização da perfuração exploratória”.

Um estudo que acaba de ser divulgado pelo Ministério de Minas e Energia calcula em 56 bilhões de dólares o potencial de investimentos para a exploração petrolífera, nos próximos anos, nas cinco bacias em que a área foi dividida. A arrecadação em impostos, royalties e participações especiais é estimada, no longo prazo, em 200 bilhões de dólares. Projeta-se, ainda, a geração de 300 000 empregos.

Em meio à polêmica, a ministra Marina Silva, do Meio Ambiente, e o presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, despertaram a insatisfação do presidente da República. A permanência de Marina no cargo se explica pela proximidade da COP30, a conferência do clima marcada para Belém (PA), em novembro. O dilema do governo é manter o discurso de líder global em energia limpa e ao mesmo tempo permitir a extração de petróleo em uma área que os ambientalistas consideram de alto risco. “O Ibama é um órgão do governo, parecendo que é um órgão contra o governo”, reclamou Lula, em fevereiro, a respeito do adiamento da licença ambiental. “Os servidores do Ibama são concursados. Mesmo que eu fizesse qualquer tipo de pressão, eles estão protegidos”, afirmou Agostinho.

Chambriard, da Petrobras: cobrança por autorização ambiental
Chambriard, da Petrobras: cobrança por autorização ambiental (Dado Galdieri/Bloomberg/Getty Images)
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Mais estridente grupo ambientalista do planeta, o Greenpeace atua pela negativa à licença ambiental. “Não é mais aceitável que os países continuem a investir na exploração de combustíveis fósseis, sobretudo em áreas tão vulneráveis quanto a Margem Equatorial”, diz o porta-voz Rárisson Sampaio. A ONG global se apoia em um estudo sobre as correntes submarinas existentes na região, que poderiam espalhar petróleo, em caso de acidente, até mesmo para outros continentes. A liberação da exploração na Margem Equatorial, segundo o Greenpeace, fere de morte a posição brasileira pela transição energética para fontes como a solar e a eólica. “Em lugar de se ater às vantagens econômicas, o presidente Lula deveria pensar nos riscos de ter em seu país um vazamento de óleo como o da BP no Golfo do México, em 2010, que levou dez anos para ser superado”, diz John James Loomis, professor do curso de MBA em sustentabilidade da Fundação Getulio Vargas, no Rio de Janeiro.

Mas é difícil para um país como o Brasil deixar uma riqueza intacta no fundo do oceano. A BP está entre os gigantes que já exploram a Margem Equatorial da Guiana, onde o potencial é de 13 bilhões de barris, e do Suriname. Nos dois países, a extração deve chegar a 1,2 milhão de barris por dia a partir de 2027. As concorrentes Shell, Total e Chevron também atuam por lá e já manifestaram à ANP “grande interesse” em explorar a faixa brasileira.

Sonda de perfuração em alto-mar: a exploração ainda não está autorizada
Sonda de perfuração em alto-mar: a exploração ainda não está autorizada (./Divulgação)
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O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, é um defensor da exploração: “Enquanto o mundo demandar, não seremos nós que deixaremos de ofertar petróleo”. O titular da Fazenda, Fernando Haddad, engrossou a pressão política. “Saber o que tem na Margem Equatorial é importante”, declarou, atento à proximidade do leilão da ANP. “O Brasil não está sozinho nisso. Sou a favor da pesquisa.” Haddad trabalha com a informação de que as potencialidades econômicas do lado brasileiro são capazes, nos próximos anos, de resolver em grande parte a questão do déficit público do país.

Marina Silva: a COP30 mantém a ministra do Meio Ambiente no cargo
Marina Silva: a COP30 mantém a ministra do Meio Ambiente no cargo (MMA/.)

O problema é realmente a falta de previsibilidade para os investimentos. “Nas contas das petroleiras, o valor da Margem Equatorial oscila de acordo com o amparo legal existente, e isso não está presente no Brasil”, afirma o presidente da Companhia Maranhense de Gás e ex-diretor da ANP, Allan Kardec Duailibe. “O Ibama trabalha sem prazos e dita o ritmo que considera mais conveniente, o que não tem paralelo nos órgãos de fiscalização do Brasil.” A aprovação do plano de proteção ambiental da Petrobras, em maio, foi interpretada pelo mercado apenas como um movimento para suavizar a pressão sobre o órgão, após cinco cartas de cobrança ao Ibama assinadas pela presidente da estatal, Magda Chambriard.

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O ministro Silveira: pressão pela exploração da Margem Equatorial
O ministro Silveira: pressão pela exploração da Margem Equatorial (Tauan Alencar/MME/.)

O geólogo John Forman, que também fez parte do alto escalão da ANP, critica o desencontro entre as autoridades: “O governo brasileiro foi flagrado mundialmente em contradição. Não há posição definida sobre a exploração e, mesmo depois do leilão, nenhuma empresa terá segurança jurídica quanto às próximas etapas.” Os técnicos avaliam que a fase de pesquisa deve se alongar por até cinco anos, enquanto a produção só começaria dentro de cinco a sete anos. De seu lado, Marina Silva tem conseguido, nos últimos meses, se equilibrar no muro da indefinição. Ela costuma dizer que o critério do ministério é se o projeto é viável do ponto de vista ambiental. “Se não é, não tem de ser dada a licença”, disse Marina. A VEJA NEGÓCIOS, um auxiliar direto da ministra resumiu o ponto da seguinte maneira: “Não iremos nos mover na base do grito”.

arte margem equatorial

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O primeiro leilão de exploração da Margem Equatorial tem condições legais de ocorrer mesmo sem a expedição da licença ambiental permanente. Nesse caso, espera-se que as ofertas das empresas pelos blocos em disputa sejam bem inferiores às que seriam registradas se todas as condicionantes legais estivessem, de fato, resolvidas. O prejuízo calculado na arrecadação final chega à casa dos bilhões de dólares. A maioria das apostas no mercado de energia recai sobre a continuação do imbróglio. Diante da indefinição, o Brasil perde dinheiro.

Publicado em VEJA, maio de 2025, edição VEJA Negócios nº 14

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