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O ‘olé’ da Espanha para que sua economia vá na contramão da Europa

Num continente estagnado, os espanhóis avançam com política de atração de imigrantes, turismo e investimentos em infraestrutura

Por Ruth Costas, de Vigo, na Galícia
30 Maio 2025, 06h00

Alfonso Rueda, governador da região autônoma da Galícia, no noroeste da Espanha, visitou o Brasil em novembro de 2024 com uma agenda incomum para políticos europeus: um chamado à imigração. Rueda convidou filhos e netos de galegos nascidos no Brasil a “voltar para a terra de onde saíram seus anteados e fazer uma vida nova”. A proposta vai além do convite informal. O governo local está literalmente pagando para que descendentes de galegos se mudem para a região, por meio de subsídios a empreendedores, bolsas de mestrado e contratos de trabalho no setor privado.

Linha de produção de azeite de oliva: exportações de itens agrícolas são uma força
Linha de produção de azeite de oliva: exportações de itens agrícolas são uma força (Angel Garcia/Bloomberg/Getty Images)

A estratégia reflete o momento atual da Espanha: com um crescimento do produto interno bruto (PIB) de 3,2% em 2024, em comparação com o 0,9% da zona do euro, o país é um dos motores da Europa (veja o gráfico) — tendo contribuído com 40% do avanço na produção de riqueza no continente no ano. Em grande parte, esse desempenho se deve à oferta de mão de obra de imigrantes e descendentes de espanhóis retornados. Desde 2020, a população da Espanha cresceu quase 4%, superando os 49 milhões de habitantes no primeiro trimestre deste ano — desse total, 9,5 milhões nasceram no exterior. Sem esse grupo, teria havido queda populacional. Só o número de moradores nascidos no Brasil subiu 20%, atingindo a marca de 180 000. “Os imigrantes impulsionam o PIB tanto pela demanda quanto pela oferta: ocupam vagas em setores com escassez de mão de obra e estimulam o consumo”, afirma María Jesus Fernández, economista-sênior da Fundación de las Cajas de Ahorros, um centro de estudos econômico e financeiro.

Javier Díaz-Giménez, professor da escola de negócios Iese, destaca que o perfil do imigrante que chega à Espanha facilita sua integração econômica. Muitos vêm da América Latina, têm cultura parecida e falam espanhol. “Podem começar a trabalhar logo ao chegar ao país, o que nem sempre é o caso de imigrantes na Alemanha”, diz ele. Em 2024, dos 468 000 novos postos de trabalho na Espanha, 88% foram ocupados por estrangeiros ou pessoas com dupla nacionalidade. Entre os recém-chegados há desde trabalhadores pouco qualificados até médicos, engenheiros e empresários latino-americanos endinheirados. “Hoje, 43% dos imigrantes na Espanha têm ensino superior, frente a 38% na Alemanha e 15% na Itália”, afirma Nuria Bustamante, economista do banco CaixaBank.

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O nutricionista carioca Luís Patrick Villaverde é um exemplo. Descendente de galegos, chegou em agosto do ano ado com uma bolsa anual de mais de 12 000 euros para cursar mestrado na Universidade de Santiago de Compostela. Sua mulher, Priscila Villaverde, também nutricionista, trabalha em um restaurante enquanto aguarda a homologação de um segundo diploma, o de técnica em telecomunicações. “Com o custo de vida subindo, a violência e poucas oportunidades no Brasil, achamos que valia tentar a vida aqui”, diz Villaverde.

Parque eólico: o foco em fontes renováveis barateou o custo da energia elétrica
Parque eólico: o foco em fontes renováveis barateou o custo da energia elétrica (Angel Garcia/Bloomberg/Getty Images)

Além da imigração, ao menos outros dois fatores dão impulso à economia espanhola: o aquecimento do setor de serviços, com destaque para o turismo, e os investimentos públicos. Desde 2021, o setor turístico dobrou seu faturamento e hoje representa 12,9% do PIB e mais de 11% dos empregos. Só em 2024, a Espanha recebeu 94 milhões de visitantes internacionais — dois para cada habitante. Essa expansão rápida teve um preço. A enxurrada de forasteiros encareceu aluguéis, cafés e restaurantes, sobrecarregou serviços públicos e causou a superlotação de pontos turísticos. Em 2024, rodaram o mundo imagens de protestos antiturismo em Mallorca e Barcelona — onde manifestantes dispararam pistolas de água contra turistas desavisados.

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Outro destaque setorial têm sido as exportações de serviços não turísticos, como consultoria, engenharia e telecomunicações, que cresceram 31% desde 2019, impulsionadas pelo “talento barato”. “São setores que se apoiam em trabalhadores de alta qualificação, mas que cobram menos que em outras economias da zona do euro”, explica Omar Rachedi, professor da escola de negócios Esade. Além disso, a Espanha foi eficiente no desembolso de fundos europeus, como o Next Generation, destinados à recuperação econômica pós-pandemia por meio de investimentos em áreas como infraestrutura digital e sustentabilidade.

A Espanha conta com uma economia diversificada, exportando desde carros e máquinas até medicamentos, petróleo refinado e produtos agrícolas como azeite de oliva, laranja e morango. O país também é sede de grandes multinacionais em diversos setores. Muitos desses grupos têm forte presença no Brasil, de modo que 10% do estoque de investimentos diretos no país estão nas mãos de espanhóis. “As relações com o Brasil são muitas estreitas, e a Espanha tem sido um grande aliado na defesa do acordo Mercosul-União Europeia”, afirma Flávio Bettarello, chefe do setor de promoção comercial da embaixada do Brasil em Madri.

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Muitos economistas ressaltam que o país ibérico ainda tem uma importante agenda de reformas estruturais a realizar pela frente. O desemprego continua entre os mais elevados da Europa, apesar de a taxa ter caído de 25,9% em 2014 para 11,4% neste ano. Uma das áreas críticas é a relativa ineficiência do setor público. No ranking de competitividade global da escola de negócios suíça IMD, a Espanha ficou em 40º lugar entre 67 países, tendo a sua pior classificação em “eficiência do governo”. Brasileiros recém-chegados relatam o suplício enfrentado para homologar diplomas, tirar documentos e resolver outras pendências em órgãos públicos que, muitas vezes, só atendem com agendamento feito meses antes. Os sistemas tributário e regulatório também são considerados complexos.

Imigrantes: a Espanha é mais aberta a estrangeiros do que outros países da Europa
Imigrantes: a Espanha é mais aberta a estrangeiros do que outros países da Europa (Luis Soto/SOPA Images/Getty Images)
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José Boscá, professor da Universidade de Valencia e pesquisador da Fundação de Estudos de Economia Aplicada, também aponta para o lento aumento da produtividade do trabalho em diversos setores. Outro importante gargalo de crescimento é a falta de moradia ível, problema que vem se agravando tanto pela falta de profissionais para atuar no setor de construção quanto pela expansão da demanda impulsionada pela imigração e pelo turismo. O carioca Villaverde, por exemplo, não conseguiu alugar um apartamento sozinho e hoje ele e a mulher moram com outro estudante. “O que temos na economia espanhola hoje é uma ‘foto’ realmente boa. Mas ainda há uma agenda de reformas para garantir um crescimento sustentado no longo prazo”, arremata Boscá. A Espanha deu um “olé!” na estagnação econômica que assombra a Europa, mas ainda é cedo para cantar vitória.

Publicado em VEJA, maio de 2025, edição VEJA Negócios nº 14

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