Abril Day: Assine Digital Completo por 1,99

Eleição na França: ultradireita se dissemina na política e na sociedade 5a524l

Radicalismo pretensamente sofisticado é usado para envernizar posições racistas e nacionalistas em defesa da 'verdadeira' identidade sa 333c4n

Por Julia Braun Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 12h24 - Publicado em 9 jan 2022, 08h00

No país onde o debate intelectual é esporte nacional, praticado nos cafés, no jantar entre amigos e em programas de TV de grande audiência, a política da França transitou até recentemente entre a esquerda moderada e a direita civilizada. Duas ondas migratórias, uma série de trágicos atentados terroristas e a economia em marcha lenta fizeram a balança começar a pender para um conservadorismo diferente, mais virulento e radical. Espelhado na ascensão da Frente Nacional de Jean-Marie Le Pen, xenófobo e antissemita confesso, seu atrativo se limitava em grande parte à população empobrecida e menos educada. Não mais. A quatro meses da eleição presidencial de abril, a campanha está reabrindo antigas feridas, que se julgavam cicatrizadas pela II Guerra, das quais jorra um ultradireitismo pretensamente sofisticado, usado para envernizar posições racistas e nacionalistas em defesa da “verdadeira” identidade sa.

Nesse cenário, Emmanuel Macron, virtual candidato à reeleição e à frente nas pesquisas, tem como potente adversário o não político Éric Zemmour, escritor, apresentador e polemista profissional (além de quase sósia de Charles Aznavour) que recheia seu discurso incendiário sobre a “desvirtuação” da alma sa por culturas e religiões alienígenas com citações literárias e ironias — tudo o que uma parcela do eleitorado culto das metrópoles precisava para abraçar teses até há pouco trancadas na gaveta de extremismos inaceitáveis. “A França tem uma tradição de partidos e forças conservadoras. Mas as ideias radicais difundidas hoje nos aproximam cada vez mais do modelo político vigente na Hungria e na Polônia, algo inimaginável há vinte anos”, diz Yves Sintomer, cientista político da Universidade Paris 8.

RECUO - Macron: a agenda liberal se encheu de ideias conservadoras -
RECUO - Macron: a agenda liberal se encheu de ideias conservadoras – (Ludovic Marin/AFP)

Aos 63 anos, Zemmour, que conta com 15% das intenções de voto e já foi condenado várias vezes por incitar a discriminação, tem entre suas bandeiras a realização de um referendo para restringir a entrada de imigrantes e proibir que recém-nascidos recebam nomes estrangeiros. “Eu decidi tomar as rédeas para salvar o país do trágico destino que o espera”, bradou ao anunciar sua candidatura independente no fim de novembro. Além dos imigrantes, saco de pancadas de toda a direita europeia, a questão da identidade nacional e a glorificação do ado são pontos de destaque não só nas suas falas, como na de pensadores e escritores da ultradireita que aram anos escanteados pela sociedade e agora são presença constante em programas de debates com auditório ao vivo e nos noticiários locais.

A republicação este ano de A Grande Substituição, de Renaud Camus, escritor que apela de uma condenação à prisão por incitar o ódio racial, deu novo alento à teoria conspiratória segundo a qual o “povo francês” está cedendo lugar a uma maioria de estrangeiros procedentes das antigas colônias. Na imprensa de direita, que possui um novo canal, o CNews — uma espécie de Fox News sa —, para divulgar ideias impensáveis até pouco tempo atrás, feitos militares são engrandecidos e há manifesta iração pelo regime de Vichy, um governo fantoche liderado pelo marechal Philippe Pétain que a Alemanha nazista instalou nessa cidade quando ocupou a França, na II Guerra — por sinal, já mereceu elogios do próprio Zemmour, judeu, filho de imigrantes argelinos. “Suas crenças extremamente antiquadas e seus ataques às mulheres, à comunidade LGBT, aos muçulmanos e aos judeus são perigosos para a democracia”, alerta Robert Gildea, especialista em história sa da Universidade de Oxford.

Continua após a publicidade
PERDA - Marine: o flerte com posições mais moderadas veio na hora errada -
PERDA - Marine: o flerte com posições mais moderadas veio na hora errada – (Christophe Petit Tesson/EPA/EFE)

O apelo dessa direita radical mais, digamos, chique acabou prejudicando justamente a mais forte candidata conservadora, Marine Le Pen, filha do fundador da Frente Nacional que, de olho nos eleitores moderados, mudou o nome do partido para Reagrupamento Nacional e suavizou posições — entre outras coisas, deixou de apoiar a saída da França da União Europeia e da zona do euro. Mesmo assim, é para a direita que se movem todos os principais candidatos — Valérie Pécresse, recém-lançada por Os Republicanos (novo nome do partido de Nicolas Sarkozy e Jacques Chirac), aceitou a indicação dizendo: “Entendo a raiva das pessoas que se sentem impotentes diante da violência, do separatismo islamista e da imigração descontrolada”. O próprio Macron, candidato independente eleito com agenda liberal em 2017, promove uma cruzada contra conceitos vindos de fora que estariam minando a cultura sa, baixou regras para conter o tal separatismo islamista e aprovou uma lei dando mais liberdade de ação à polícia. Enquanto a esquerda se fragmenta e perde influência, a França da “liberdade, igualdade e fraternidade” dá voz cada vez mais alta à ala que prega o contrário de tudo isso.

Publicado em VEJA de 12 de janeiro de 2022, edição nº 2771

Publicidade

Matéria exclusiva para s. Faça seu

Este usuário não possui direito de o neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu

ABRIL DAY

Digital Completo 334n2c

o ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*
Apenas 1,99/mês*

Revista em Casa + Digital Completo 115i1p

Receba 4 revistas de Veja no mês, além de todos os benefícios do plano Digital Completo (cada edição sai por menos de R$ 9)
A partir de 35,90/mês

*o ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$23,88, equivalente a R$ 1,99/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.