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Arminio Fraga: “O governo não tem um caminho para o país” 132b2a

Segundo o economista e ex-chefe do BC, Lula insiste em ignorar que o tempo para desarmar a bomba fiscal está acabando 1x6o8

Por Márcio Juliboni Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 30 Maio 2025, 14h55 - Publicado em 30 Maio 2025, 06h00

Quando declarou, para surpresa de muitos, que votaria em Luiz Inácio Lula da Silva no segundo turno da eleição presidencial de 2022, Arminio Fraga não esperava do petista nada de extraordinário na área econômica, caso derrotasse — como, de fato, derrotou — Jair Bolsonaro, então candidato à reeleição. Mas o que Lula entregou até agora no terceiro mandato está muito aquém da expectativa do ex-presidente do Banco Central. “O governo não tem um caminho para o país”, diz. Recentemente, Fraga voltou ao noticiário ao propor que, por seis anos, o salário mínimo seja corrigido apenas pela inflação, sem ganhos reais. Seria um modo de reduzir a pressão fiscal, já que os dois maiores gastos do governo — as aposentadorias e o Benefício de Prestação Continuada — são atrelados ao mínimo. Isso geraria tempo para realização das reformas necessárias ao crescimento econômico. Segundo Fraga, ao ignorar os alertas de que a situação fiscal é grave, o presidente joga contra si mesmo. “Se Lula se reeleger, não poderá culpar os outros”, disse em entrevista a VEJA. Confira os principais trechos.

Como o senhor avalia o contingenciamento de 31 bilhões de reais anunciado pelo governo há alguns dias? É um sintoma do desequilíbrio fiscal. Essa história já é conhecida. Diante do tamanho do desafio fiscal, é impossível não pensar que o governo não aborda os grandes temas que dariam uma certa paz econômica ao Brasil. Isso tem a ver também com o próprio Orçamento, que permite contingenciamento. Espero que, algum dia, tenhamos um Orçamento que seja definitivo, porque, para quem é um gestor público, é importante ter certeza de quanto recurso terá à disposição. Talvez isso permitisse ainda o uso do chamado estabilizador automático. Quando a economia andasse num ritmo mais forte que o previsto, geraria um superávit primário maior. Quando mais fraco, um superávit menor.

O arcabouço fiscal fracassou? Até certo ponto, sim. Lá atrás, minha primeira reação foi de que o arcabouço era uma boa notícia, porque o governo estava encarando o problema. Eu entendo que a Fazenda tinha a intenção de entregar um bom resultado fiscal, mas não depende só dela. O arcabouço foi um bom ponto de partida, mas insuficiente. A questão fiscal está pegando fogo. Se Lula se reeleger, terá de lidar com a sua própria herança. Será difícil botar a culpa nos outros. O fato é que a situação já está difícil, e o ano que vem será de muita pressão de gastos, porque isso é típico de anos eleitorais. Além disso, pelo que já conseguimos ver, 2027 não será nada bom.

“Não me arrependo de ter votado no Lula. Há certa decepção, já que não vejo um caminho para o país. Mas dar ao Bolsonaro um segundo mandato seria uma temeridade”

Ao mesmo tempo, o governo elevou o imposto sobre operações financeiras. O vício de cobrir rombos com mais arrecadação continua? Foi uma decisão desastrosa. Mesmo que tenha sido parcialmente revista, ficará na memória. Mostra que o foco do ajuste segue no cansado aumento de receitas. Além disso, o IOF é um imposto meramente regulatório, de péssima qualidade. Pressiona os preços e os juros, com impacto social cruel. Sinalizou também controles de câmbio, algo que assusta. Tudo isso pegou mal para o ministro Fernando Haddad. Sem encarar o lado do gasto, o Brasil desperdiçará uma enorme chance de crescer mais. Há muito espaço na Previdência e nos gastos tributários.

O senhor se arrepende de ter votado em Lula no segundo turno das eleições de 2022? Não me arrependo, apesar de uma certa decepção. Eu não votei no Lula porque achava que traria um paraíso econômico, mas esperava um pouco mais. O Lula 1 foi muito bom; o Lula 2 não foi tão bom, mas funcionou. Agora, eu vejo um governo que não apresenta um caminho para o país. Mas não me arrependo, porque dar um segundo mandato a Bolsonaro seria uma temeridade.

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Por que a reforma istrativa seria uma parte importante do ajuste fiscal? Das grandes medidas para equilibrar as contas, essa reforma é a menos importante no curto prazo. No longo prazo, porém, sua importância é bem maior, porque destravaria o crescimento do país ao nos dar um Estado mais eficiente. Mas é preciso lembrar que há mais potencial de melhora fiscal nos estados e municípios do que no governo federal. Quem avalia o crescimento da dívida, sobretudo o da dívida da União, tende a pensar apenas no saldo primário federal. Mas a verdade é que, sempre que algum estado ou município tem um problema, a conta cai no colo de Brasília.

As privatizações são uma opção para enxugar o Estado brasileiro? Privatizar não quer dizer entregar um serviço público para alguém e lavar as mãos. Sou contra deixar setores regulados ao deus-dará. As agências reguladoras precisam ser efetivas. Mas o Estado tem que explorar todos os mecanismos de entrega de serviços que a população precisa, e decidir o que é mais eficaz, como as concessões e as parcerias público-privadas.

O senhor já disse que não venderia o Banco do Brasil. Por quê? Seria complicado vender para um banco estrangeiro. Parte do desafio é melhorar a governança. Isso é essencial. Se o Banco do Brasil ou a Caixa forem conduzidos com objetivos políticos mesquinhos, não dará certo. Talvez um caminho fosse transformar o banco em corporação, com uma governança blindada, profissional e técnica. A Lei das Estatais melhorou a governança. Não é à toa que, volta e meia, aparece alguém querendo acabar com ela, porque é claro que as estatais podem ser um brinquedinho nas mãos erradas de alguns políticos.

Privatizar a Petrobras e os Correios são opções? É o mesmo raciocínio. Privatizar significa delegar um serviço público a um agente privado. Não é lavar as mãos. A companhia não deve virar o brinquedinho de um empresário. Se pensarmos em privatização no sentido mais amplo do termo, que inclui concessões, parcerias e corporações, deveríamos considerá-la de maneira entusiasmada.

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O Orçamento engessado da União também pesa no déficit. Como resolver a questão? Discutir a forma como se monta o Orçamento seria muito saudável, porque, no fundo, estamos falando que os responsáveis por ele deveriam fazer contas, definir prioridades e tomar decisões. O atual modelo é esquizofrênico. Tudo é negociado no varejo. Não pode mexer nessa área, não pode tirar recurso daquela. Aí, dá no que vemos hoje: o Banco Central fica sozinho e, para segurar a inflação, coloca os juros nesse patamar. É um tirando a água do convés de um lado e o outro jogando água para dentro do barco.

Corrigir o salário mínimo apenas pela inflação aliviaria os gastos com a Previdência Social. Não seria melhor desvincular essas despesas definitivamente? No mundo ideal, deveríamos fazer as contas e mostrar à população quanto isso custa. Estamos falando de quanto dos ganhos de produtividade, que têm sido muito modestos no Brasil, deveria ser compartilhado com os aposentados versus outras demandas no Orçamento.

Sem uma reforma estrutural da Previdência, o congelamento do mínimo não seria só um paliativo? Há muitos anos defendo um sistema híbrido composto por Previdência pública e previdência complementar. Já temos isso, mas, como o Brasil é muito desigual, a maioria das pessoas não consegue poupar e fica apenas com o sistema público. Na próxima reforma — e terá de haver uma em breve —, esses temas devem ser abordados. Congelar os ganhos reais do salário mínimo por seis anos nos daria o tempo necessário para repensar o sistema.

O senhor defende a revisão dos incentivos fiscais. Por quê? Eu enxergo a revisão como uma colossal oportunidade para o Brasil, mas exigirá visão de longo prazo e coragem. Sem isso, não adianta ficar esperando por um milagre. Não adianta dizer que os juros vão cair. Não vão. Hoje o governo paga mais do que 7% acima da inflação em uma dívida de trinta anos. Esse é um sintoma grave desse paciente chamado Brasil. O país está na UTI. Não dá mais. Não acho, contudo, que seja um paciente terminal.

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“O governo paga mais do que 7% acima da inflação em uma dívida de trinta anos. Esse é um sintoma grave desse paciente chamado Brasil. O país está na UTI, mas não é um paciente terminal”

Os setores beneficiados alegam que o custo Brasil é alto e eliminar os incentivos reduziria sua competitividade. Como convencê-los de que isso é necessário? Primeiro, a situação atual é péssima, porque gera um crescimento medíocre. Reduzir os gastos tributários ajudaria a reduzir a taxa de juros e liberaria recursos para investimentos públicos e privados. Não estamos falando de instalar um alto grau de progressividade tributária, mas de reduzir a regressividade. Tem protecionismo, tem subsídio do BNDES, tem subsídio tributário, desoneração. Rever isso é uma questão de natureza moral. As políticas públicas do Brasil focam no combate da extrema pobreza e têm tido sucesso, mas é preciso ir além.

Como o senhor avalia a atuação de Gabriel Galípolo como presidente do Banco Central? Minha impressão do Galípolo é muito boa. Ele já entrou jogando. Mas o cenário atual é muito difícil, porque a política monetária carrega muito mais peso do que deveria se o resultado fiscal ajudasse. Galípolo faz o possível e está correspondendo às expectativas de atuar com independência. Mesmo a distância, eu acreditava que ele teria várias razões para seguir essa linha. Primeiro, é a mais recomendada tecnicamente. Depois, se ele agisse de modo exótico, o mercado já teria explodido na sua cara. E, se ele não agisse de modo independente e a inflação subisse, seria muito danoso politicamente para o próprio Lula.

Em uma conversa recente com Galípolo, o senhor disse a ele para usar seu capital político com sabedoria. Onde ele deveria gastá-lo? O capital político de um presidente de Banco Central não é, necessariamente, pequeno, mas é finito. Acho que ele tem aplicado bem o seu. Tem feito o dever de casa no Copom e tem trabalhado nos espaços onde algumas reformas são possíveis, como o custo do crédito. Imagino que internamente ele defenda a responsabilidade fiscal.

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O senhor já disse que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, é sinônimo de turbulências. Quanto o Brasil está preparado para este segundo mandato? Não temos opção, a não ser enfrentar quatro anos de turbulência global com Trump. Mas o Brasil reage bem às crises internacionais. Creio que não será diferente desta vez. O que me preocupa é para onde o mundo caminha. Vivemos um momento de transição, de novas hegemonias e de tensões geopolíticas enormes. O Brasil é um país ocidental e não pode abrir mão disso. Então, terá de navegar com habilidade por essa situação.

Publicado em VEJA de 30 de maio de 2025, edição nº 2946

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